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Em cidades campeãs em royalties de petróleo, falta de tudo - (Anchieta, ES)

Anchieta

Em cidades campeãs em royalties de petróleo, falta de tudo - Total Absurdo

Total Absurdo Em cidades campeãs em royalties de petróleo, falta de tudo

A mãe carrega a filha pela mão até o posto de saúde por uma estrada de terra batida. A poeira as encobre, mas elas caminham indiferentes, no sol a pino. Mais à frente, populares conversam sobre a demora nas consultas médicas e sobre investidas para tentar emprego num dos principais empregadores da cidade: a prefeitura.

A cena, de uma cidadezinha simples do interior, é incompatível com o potencial da arrecadação municipal. Trata-se de Presidente Kennedy, Sul do Estado, de onde jorra dinheiro dos royalties de petróleo, mas sobram reclamações sobre a qualidade dos serviços. A obra da Avenida Orestes Bahiense é repleta de idas e vindas, suspeitas e adiamentos.

O aspecto não é exclusividade de Kennedy. A GAZETA também percorreu Anchieta, também no Sul, e Linhares, no Norte do Estado, e constatou de perto o que impera no senso comum: as cidades são ricas, mas o dinheiro não chega a quem precisa.Em Anchieta, a auxiliar de limpeza Neuza Toste, 41, caminha por uma estrada muito semelhante para ir ao trabalho. “Às vezes falta água, e essa estrada é péssima. 

Tomamos banho em casa e aqui tomamos banho de poeira”, diz.“Para marcar e panhar um exame é 25 dias, um mês. Minha filha adoeceu e não consegui resolver aqui. Tive que pagar particular e fiquei sem dinheiro pra resolver o emplacamento da moto”, relatou o aposentado Pedro Luciano José, 75, morador de Presidente Kennedy e dependente do veículo como meio de transporte.Patrícia Faria tem 17 anos, abandonou a escola na 8ª série, em Kennedy, e não trabalha. É mãe de Hugo Vinícius, de 7 meses. “Para marcar uma consulta demora pelo menos um mês. E nem sempre tem médico”, diz ela.

Dinheiro

Em 2014, Presidente Kennedy foi a cidade capixaba que mais recebeu dinheiro de royalties e participações especiais do petróleo: R$ 288,1 milhões. Linhares, a terceira, R$ 113,2 milhões. Anchieta, por sua vez, é a que mais recebe repasse de ICMS. Os R$ 174,2 milhões repassados em 2014 corresponderam a 57,7% da receita corrente da cidade.

Nos três municípios, a falta de infraestrutura em algumas regiões está a olhos vistos e seus moradores dão inúmeros exemplos de que a riqueza não significa serviços impecáveis.

Morador de Alto Pongal, Anchieta, o motorista José Ceccon, 57, conta que esperou seis meses para conseguir agendar um exame de próstata. “O pessoal fala que tá faltando dinheiro, mas é estranho, né?!”, comenta.Em Linhares, sobram lagoas, mas falta água

Após horas percorrendo periferias debaixo do calor linharense, a oferta de um copo de água do lavrador Railton Teles, 46, é quase irrecusável. Mas saber que ele dirige mais de 30 minutos até o distrito de Povoação uma vez por semanam para buscar água potável obriga uma reflexão sobre aceitar a gentileza. “Vou devagar, às vezes duas vezes”, conta o morador da zona rural de Linhares.

Cidade-polo do Norte capixaba e com alta arrecadação de royalties, Linhares vive uma triste ironia repetida pelos municípes quando perguntados sobre os principais problemas da cidade: falta água, apesar das dezenas de lagoas – a Juparanã é a maior do país em volume de água – e dos rios da cidade.

Trocar Porto Seguro, na Bahia, pela cidade capixaba que alcançou a quinta maior receita total em 2014 não livrou o recepcionista Lucas Oliveira, 24, de frustrar-se ao abrir a torneira.“A questão da água está ruim. Mês passado faltou por uma semana lá em casa. Comprei um reservatório. Hoje (quarta-feira) também não tinha quando saí”, comentou o morador do bairro Planalto.No Aviso, moradores parecem acostumados. 

Curiosamente, dizem não ter problemas, reportam falhas com parcimônia. Uma disse que a água “está normal. Vem preta às vezes, mas depois de duas horas está normal”. Outro, que “é normal, mas de vez em quando fica fraca”.É o que acontece na sorveteria do Lindônio Viana, 60: “Às vezes falta médico, remédio. Agora, água. Só à noite fica forte. Deve ser porque tem muita gente usando”.Queixas de falta d’água em municípios ricos não são restritas a Linhares. A poucos minutos do Centro de Anchieta, moradores usam fossas e ainda dependem das cacimbas.Rio DoceObservando o nível crítico do Rio Pequeno, a Prefeitura de Linhares começaria a captar do Rio Doce, em novembro. No dia anterior à inauguração do novo ponto, a Samarco anunciou que a lama chegaria ao Doce. Foi feito acordo para que a mineradora construa uma captação na Lagoa Nova para dar “segurança hídrica” à população.Poeira ofusca a saúde em Kennedy

O sorriso espontâneo do pequeno Alan, 7, esconde graves problemas respiratórios que a cidade de Presidente Kennedy, em vez de ajudar a tratar, só os piora.

Ele mora com os pais e dois irmãos – Kaylane, 9, e Marco Antônio, 10 –, às margens da Avenida Orestes Bahiense, de cerca de 7 km. Apesar das janelas permanecerem constantemente fechadas, a mãe deles, Elivane Fagundes, 33, precisa limpar a casa três vezes por dia.“Ele fica o dia inteiro tossindo. É o que mais tem problema com poeira, coitado. Às vezes, o médico daqui não resolve e temos que ir pra Vitória pra cuidar. Kaylane também sofre. 

De vez em quando, tosse sangue”, diz.Os médicos já orientaram que o melhor a ser feito é mudar as crianças para um lugar mais limpo, mas o endereço é o único da família. O dinheiro de uma possível venda da casa deveria ser repartido entre oito herdeiros.“Às vezes falta remédio. Fui buscar o anticoncepcional da minha irmã e não tinha. Mas o principal problema nosso é a pista. Tomara que saia logo”, conta a mãe.A obra está orçada em R$ 10,2 milhões, mas só deve começar em fevereiro. 

Caso não haja interrupção, deve ser entregue em um ano.Perspectiva de futuro vira dúvidaEm frente ao Ifes de Linhares, uma das principais escolas do Estado, Mariana da Silva Fernandes, 12, faz sinal de carona. 

Ela, a mãe, dois irmãos e dois primos criados pela mãe tentam voltar para casa, a cerca de 40km dali.Mariana não sabe se passou do 5º para o 6º ano. Não procurou saber e ninguém lhe disse. A mãe, Marizete da Silva, 52, não recebe mais os cerca de R$ 300 do Bolsa Família porque precisa carregar os meninos entre sua casa, a da irmã – de onde voltavam – e um assentamento em Sooretama. 

Com isso, diz ela, não frequentam a escola assiduamente.“Escola do interior tem dia sim e dia não. Às vezes, chove, o ônibus não passa, professor não chega...”, diz.O mais velho é Erdilânio da Silva, 17. As mais de duas horas em frente à escola federal, à espera de carona, não o inspiraram a dar outra resposta à pergunta sobre onde e como deseja estar em 10 anos: “Quero estar em alguma firma”. 

A resposta da Mariana é ainda menos ambiciosa. “Vou arrumar um marido, uma filhinha e vou cuidar da minha mãe”.

Itapemirim: muito dinheiro e picuinhaAinda no Litoral Sul do Estado, a cidade de Itapemirim é mais uma no alto da lista de municípios com maior repasse de royalties de petróleo e participações especiais. Só em 2014 foram R$ 194,6 milhões, ficando atrás apenas de Presidente Kennedy.No ranking de receita total per capita, Itapemirim é a terceira, com R$ 10,7 mil por morador. 

Está atrás de Kennedy e Anchieta:R$ 34,3 mil e R$ 11,1 mil, respectivamente.Outro ponto em comum entre as cidades é a intensidade das brigas políticas que beiram a baixaria. Após ter sido presa na Operação Derrama, a ex-prefeita de Itapemirim Norma Ayub (DEM) teve o procedimento arquivado. O atual prefeito, Luciano Paiva (PSB), foi afastado duas vezes em 2015 por suspeitas de fraudes em licitações e é alvo de denúncia de lavagem de dinheiro.

Ele a vice-prefeita, Viviane Peçanha (PSDB), romperam. Ela nem sequer compareceu à nova posse do socialista, em setembro, após cinco meses de afastamento.Em Kennedy, o ex-prefeito Reginaldo Quinta (PMDB) foi alvo da Operação Lee Oswald, em 2012, por suspeita de desviarR$ 55 milhões dos royalties. Preso, colocou a sobrinha, Amanda Quinta (ex-PTB, hoje no PSDB) para sucedê-lo. 

Agora, ambos romperam, viraram inimigos políticos e devem duelar na eleição deste ano.TerceirizaçãoApesar do dinheiro dos royalties não servir para despesa de pessoal, nas cidades onde jorra o “ouro negro” ele é prato cheio para custeio. Quase ninguém vê o recurso como receita extra. O resultado disso é que a regra geral é terceirizar quase tudo. Daí as administrações elaboram contratos milionários que, vez ou outra, estão na mira da Justiça.

Fonte: A Gazeta / Autor: Vinícius Valfré | [email protected]



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