A primeira com o ex-deputado federal, ex-prefeito de Vitória e funcionário público do BNDES, Luiz Paulo Vellozo. Confira!
Capixabão – Qual o papel dos legislativos municipais em relação à administração pública?
Estudo a muitos anos as experiências internacionais sobre o poder local. O ITV patrocinou uma pesquisa na FDV além de inúmeras publicações e eventos sobre o tema que também me levou a fazer vários pronunciamentos na câmara federal. Fiz um livro chamado “Qualicidades” lançado em 2006 onde essas ideias estão bem explicadas. É necessária uma compreensão mais abrangente sobre os problemas do modelo de organização do poder local no Brasil.
Há um déficit do poder local, mesmo sendo o estado brasileiro grande e caro demais. O poder público no Brasil não consegue chegar até o cidadão. Se fala muito em emancipação dos municípios. No Brasil temos cinco mil e seiscentos e tem se a impressão que é muito, ao passo que, por exemplo, se formos comparar com a França, que é mais ou menos do tamanho de Minas Gerais, lá eles tem trinta e seis mil unidades administrativas do poder local com menor estrutura.
Temos um custo muito alto e ainda assim há uma distorção, pouca capilaridade, no Brasil . Há aproximadamente cinquenta mil distritos sem estrutura administrativa. Há uma rigidez de formato. Irupí e São Paulo são igualmente municípios perante a Constituição Federal.
No Espírito Santo temos duzentos de sessenta distritos e patrimônios sem estrutura de poder local e é óbvio que, dentro do sistema atual, seria um absurdo emancipá-los. Em Linhares por exemplo, são noves distritos, uns mais populosos que alguns municípios emancipados, porém, ainda assim não possuem estrutura administrativa própria. O distrito de Aracê onde esta Pedra Azul já poderia ser município mas com as obrigatoriedades atuais isso seria apenas criar despesas burocráticas. Essa distorção também ocorre nas grandes cidades.
A cidade de São Paulo possui trinta e quatro regiões administrativas com trezentos mil habitantes cada e subprefeitos nomeados pelo prefeito. Há regiões maiores que cidades da Grande Vitória. Os atuais prefeitos precisam se conscientizar e dividir o poder de governar a cidade com a Câmara Municipal, tratá-la como se fosse um conselho de administração.
O modelo brasileiro é igual jabuticaba, só existe aqui. Nos outros países não há legislativo municipal, há um conselho da cidade que governa em harmonia com o prefeito que muitas vezes é o presidente do conselho.
A função de legislar e fiscalizar da Câmara Municipal não significa que ela não possa ter responsabilidade e participar da gestão da cidade. Tudo depende do modelo de gestão do prefeito.
Capixabão – Mas é possível fazer essas mudanças no âmbito da municipalidade?
Eu defendo um mudança constitucional no chamado “pacto federativo” mas enquanto isso não acontece é possível e necessário mudar o estilo de gerenciamento. Eventualmente tem que mudar alguma coisa no regimento interno da Câmara, mas nada muito radical. A mudança radical é no estilo de gerenciamento da cidade, na articulação e na harmonia entre os poderes. Por exemplo: acho que o presidente da comissão de saúde da Câmara e o secretário municipal de saúde precisam trabalhar junto. Quando fui prefeito a LDO, o PPA e o Orçamento Anual eram aprovados na câmara sem emendas mas isso porque o debate havia sido realizado anteriormente, no momento da elaboração da proposta do executivo. Não enviava a proposta pronta para ser votada, a formulação do projeto era coletiva, quando chegava na Câmara era pra ser aprovada sem emendas porque já havia grande consenso em torno da proposta.
O papel do vereador é governar a cidade junto com o prefeito, ajudar a enfrentar os conflitos inerentes `a vida urbana que fazem o dia a dia das pessoas. Em nossa gestão criamos os prefeitinhos, os vereadores que no início não concordaram depois aplaudiram o modelo porque viram reforçadas e valorizadas sua liderança e seu protagonismo.
Os líderes comunitários, o CPV, os líderes religiosos, a imprensa, o ministério público, os empresários não substituem o trabalho do Vereador quando ele participa ativamente da gestão e o prefeito não tenta monopolizar o poder de resolver tudo sozinho de forma imperial.
O prefeito precisa ter um bom modelo de gerenciamento e de governança que organize a cidade no processo de fazer escolhas coletivas, de estabelecer e fazer cumprir as normas de convivência e a vida social. Criamos sete regionais, com sete prefeitinhos, que em determinado momento ocasionou aumento de despesa, mas a população percebia que aquele aumento de despesa estava gerando aumento de eficiência e por isso aprovava nosso modelo.
Capixabão - Os vereadores têm conseguido fiscalizar o executivo?
A ideia de fiscalização não pode pressupor desconfiança e conflito. A referência é deve sempre ser o interesse coletivo da cidade e a vida das pessoas. O vereador pode e deve exercer a função de fiscalizar com o sentido de ajudar a pactuar regras na cidade, organizar a vida em sociedade. Fazer o município um lugar melhor. Hoje, a percepção da população é que o legislativo, em todos os níveis nacional, estadual e municipal é um espaço de barganha e de privilégios, é caro e sua utilidade é pouco percebida.
O parlamentar poderia custar um real mas pela pouca utilidade pareceria muito caro! Acho incrível quando vejo na imprensa matérias que avaliam o trabalho dos parlamentares pelo seu custo administrativo como se o parlamentar bom para a população fosse aquele que gasta menos. Devolver recursos virou atestado de qualidade.
Capixabão – Sobre o aumento de vereadores, o senhor é a favor ou contra? Por que?
Pergunta errada não tem resposta certa. A administração pública precisa sempre fazer mais com menos. Precisamos debater o papel, o modelo do legislativo, do poder local antes de decidir quantos vereadores precisamos ter para cuidar bem da cidade. O número de vereadores, o número de deputados, a quantidade de municípios emancipados são perguntas que não tem resposta certa. No plano federal por exemplo o problema é a baixa qualidade gerencial e o projeto de perpetuação no poder do PT.
Dilma e o PT tem exercido o poder de forma imperial no âmbito federal usando o gasto publico e os cargos na máquina do estado para fazer alianças politicas e dar sustentação ao governo. O que vemos é retrocesso e centralização.
Isso é prejudicial ao país. O orçamento federal no Brasil é uma farsa. O governo gasta o que quer, onde quer, como quer e as prioridades do gasto público não são decididas no Congresso Nacional. Na prática a prioridade é decidida no momento do desembolso, na boca do caixa. As emendas individuais são uma espécie de “cala boca” dada aos parlamentares e moeda de barganha na construção da governabilidade por cooptação. Os municípios não precisam copiar o mau exemplo do governo federal.
Capixabão – Mas então se o debate sobre esse novo papel for feito, seria necessário aumentar o número de vereadores?
Pode ser que sim ou pode ser que não, depende de como a administração municipal se organiza, para atender bem a população e depende de como os vereadores fazem seu trabalho. Depende da compreensão do prefeito para a função da Câmara Municipal.
Precisamos evoluir do modelo onde o prefeito exerce o poder de forma imperial e a Câmara Municipal, sem ter qualquer responsabilidade pelos resultados da administração, não usa adequadamente a prerrogativa de fiscalizar o atendimento das necessidades da população e o trabalho do prefeito.
Vitória perdeu arrecadação mas continua a ser rica. Pode avançar muito na qualidade da administração pública municipal com métodos modernos de gestão e racionalização dos gastos. O papel da câmara municipal pode ser enorme não deve ficar somente no apoia ou não apoia o prefeito.