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Forças ocultas: golpe de direita, golpe de esquerda - Editorial

Editorial Forças ocultas: golpe de direita, golpe de esquerda

Política pode ser um assunto traiçoeiro. É dada demais à simbologia e à especulação. Não há quem domine os temas. Os temas é que dominam. Isso torna inescapável a parcialidade. Desenvolver uma análise exige assumir um lado – ou ser detestado por ambos. Não admira a profusão de teorias conspiratórias. É o que acontece no Brasil, país onde estamos sempre à espera do próximo golpe.

Para usar um termo de Jânio Quadros: a força política mais influente do país ainda são as "forças ocultas". Esquerda e direita têm certeza de que andam articulando uma tomada de poder. Seu amigo conservador sem dúvida receia um "golpe comunista". Ele aguarda o novo Plano Cohen, aquela suposta conspiração comunista denunciada por Getúlio Vargas. Enquanto isso, seu amigo progressista teme um "golpe militar". Está sempre à espera da próxima operação Tio Sam, o apoio estadunidense enviado aos militares brasileiros em 1964.

Essa tendência está longe de ser apenas brasileira. Em 2016, as teorias conspiratórias foram abundantes nos debates presidenciáveis dos Estados Unidos. A maior parte delas vieram de Donald Trump. Entre outras acusações, Trump afirmou que Barack Obama não era estadunidense e fundou o grupo terrorista Estado Islâmico. Tudo isso sob o provável aplauso do eleitorado, que elegeu Trump naquele ano.

Surge dessa forma a hipótese da pós-verdade: na política menos importa os fatos, mas a mera especulação, por mais absurda que seja. Isso talvez crie dificuldades para quem sonhe em combater a desinformação. A ausência de provas não é prova da ausência. A verdade está lá fora. Não há nada que seja tão quimérico, que não possa ser levado em conta.

As teorias do golpe brasileiras tem sido nossa versão da pós-verdade. Fazem perguntar qual seria a origem de tanta especulação. A resposta menos convincente são os fatos históricos. Não se pode confiar no passado. Ele é reescrito para servir a propósitos políticos atuais. Uma resposta muito melhor está na forma como esquerda e direita se comporta. Extremistas, radicais – esquisitos até –, ambos dão motivos para desconfiança.

Alas progressistas facilmente causam inquietação. Elas nutrem simbologia comunista. O hermetismo do Fórum de São Paulo é perturbador. Manifestantes progressistas usam táticas que violam a ordem, como passeatas não autorizadas. E muitos louvam o dogma assustador de que "a violência é parteira da história". Diante disso, como não se sentir assustado?

De forma semelhante, as alas conservadoras também motivam suspeita. Muitos deles insistem em pedir uma "intervenção militar constitucional". Comentam do regime militar com nostalgia, minimizando seus revezes. Insistem em reviver o clima de "guerra fria". E militares de alta patente insinuam manifestar apoio a uma intervenção militar. Tudo isso também causa inquietação.

Como nos Estados Unidos, os debates eleitorais põe à prova nosso repertório de conspirações. Foi o que ocorreu à Ursal, a suposta nação comunista latino-americana que sumiu no vácuo da comicidade – e no gosto de alguns progressistas. O efeito disso pode ser benéfico. Criam a oportunidade de expor essas teorias e reduzi-las ao patamar de hipótese, ou de delírio.

Buscando proteger as eleições, alguém poderia clamar ingenuamente por uma solução. E ela existe de fato: rir disso tudo. Política também é espetáculo. E espetáculo demanda entretenimento. Sem essas teorias, o contexto talvez não fosse tão divertido quanto pode ser. Querendo ou não, elas geram interesse político. Conspirações não perturbam as eleições, elas são parte inescapável desse evento.

Existe outro motivo para rir dessas teorias: elas são parte de um processo inevitavelmente cômico. Como levar a sério os resultados de algo falho, perturbado e distorcido como uma eleição? A vida não começa e termina no plebiscito. Democracia não é infalível. Tentando entregar o que promete, o estado costuma falhar. O mercado precisa ser mais bem explorado como forma de compensar essas falhas.

Somente um aspecto dessas teorias não tem graça: a forma como revelam que os "traumas conspiratórios" da década de 1960 ainda não se dissiparam. Persiste a ideia de que há uma "revanche golpista" em curso, seja comunista, seja militar. Diante de tantos receios, ninguém se arrisca a ter certeza que não. Infelizmente, tudo isso nos obriga a revisitar com insistência esse passado. E nos impede de pensar o futuro.

- A redação.


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