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Copa do Mundo e política: cartões vermelhos, gols contra - Editorial

Editorial Copa do Mundo e política: cartões vermelhos, gols contra

Quatro anos se passaram entre a Copa do Mundo da Rússia e a do Brasil. Em termos políticos, foi um longo tempo. Vivemos crises, impeachment, protestos. Caímos até descobrir que o fundo era falso: havia mais a cair. E tudo virou política. Comida virou política. Camisa virou política. Mensagens de propaganda viraram política. Somente o espírito esportivo da Copa parece ter escapado. Isso talvez explique por que não chame a mesma atenção.

Poucos lembram, mas em 2014 o slogan "vem pra rua" tinha sentido esportivo. Era de um jingle que convidava a torcer na Copa do Mundo. O refrão acabou capturado pelas manifestações daquele ano. O convite à torcida virou intimação ao protesto: uma tendência que agora chega ao extremo. Às vésperas da Copa de 2018, as ruas brasileiras não estão decoradas como de costume. Por outro lado, nunca se falou tanto de política quanto agora.

Algo vai mal. Alguém comentou que está mais fácil lembrar o nome dos ministros da Justiça do que o nome dos jogadores da seleção brasileira. Foi uma observação astuta. A política é a nossa maior agenda – senão a única. Para usar termos da psicanálise, a libido do futebol foi canalizada para a política. E isso está longe de ser uma boa notícia.

Não raro surgem opiniões contra a paixão brasileira pelo futebol. A maior parte delas acusa essa paixão de ser um "ópio do povo". Ela desvirtuaria a atenção que deveria ser dirigida à política. Com toda essa catarse, dizem os críticos, quando seremos um país desenvolvido? A política deveria ser prioridade. É preciso converter torcedores apaixonados em militantes furiosos. Esse seria o caminho para um país melhor.

E de repente o plano se realiza. Aquele "não vai ter Copa" de 2014 faz muito mais sentido em 2018. A vez do futebol cede lugar à voz da política. A torcida agora é protesto. A rua não é mais a maior arquibancada do Brasil. Virou palco de demonstrações populares de indignação, de reivindicação. O futebol deixa um vazio no peito. Como o peito abomina esse vazio, ele resolveu se inundar de política – e política é sobretudo medo e desforra.

Não, o gigante não acordou. Essa politização não seria o "despertar coletivo da capacidade crítica". É apenas o sintoma de que tudo vai de mal a pior. Situação mais confortável ocorre quando o povo torce na Copa. Nesse contexto, se não há ordem, ao menos há esperança. Dá para relaxar um pouco e se divertir. Mas quando falta até mesmo a esperança – já era, a estabilidade foi para escanteio. O futebol vai para a reserva. Entra em jogo o debate político, em uma partida que faz somente perdedores.

E quando voltaremos ao futebol? Talvez jamais. A vigilância deve ser eterna. É o preço por entregar nossa vida aos cuidados de políticos e do governo. Com ingenuidade, imaginamos que nosso sistema social funcionaria por si só. Ele escolheria os melhores, cuidaria de nós, corrigiria os desvios, puniria os crimes. Pensamos que ele nos serviria. Mas ele se serve de nós: incentiva a indolência, o descaso, a corrupção. É preciso vigiar sempre. O estresse jamais alivia.

Por tudo isso, que inveja da Suécia. Seus políticos são subservientes e desempoderados. Sua capacidade decisória quase não afeta a vida pública. Muitos deles nem sequer recebem salário. Donos de si, despreocupados com a política, os suecos buscam inquietação em assuntos estrangeiros. É o caso da pobreza africana, da constituição na Venezuela. Acompanhar esses assuntos provavelmente funciona como o futebol deles.

Mais invejável ainda é a Suíça. Uma piada local afirma que não há corrupção no país simplesmente porque as pessoas não sabem onde estão os políticos para subornar. Até mesmo o presidente é incapaz de "poder" com a vida do povo. Não espanta quando um dinamarquês desconhece o nome desse sujeito. Sem preocupação com política, nada os impediria de curtir uma boa temporada de futebol.

Enquanto isso, o brasileiro precisa calçar as chuteiras e entrar em campo. A partida não será amistosa. O brasileiro deve conferir o troco, fiscalizar as contas, desconfiar de tudo, olhar sempre para trás. Infelizmente, nada disso será o bastante. O jogo começa em desvantagem. A arbitragem é fraca. São poucos cartões vermelhos. É preciso marcação pesada, talvez mais do que podemos suportar. Ainda teremos de aturar muitos gols contra.

- A redação.


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