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Caminhoneiros e estelionato social: o povo paga a conta - Editorial

Editorial Caminhoneiros e estelionato social: o povo paga a conta

A greve dos caminhoneiros agora deve ser posta contra a parede. Basta de argumentos vazios. Que sacrifício os motoristas fizeram pelo país? O que fizeram soa mais como sacrificar o país em favor próprio. Que luta por um país melhor seria essa? Os resultados causam somente ressentimento e degradação. A sociedade sofre com os bloqueios e ainda mais com as concessões dadas aos motoristas. No fim, governo, político, caminhoneiro e patrão saem satisfeitos. Enquanto isso, o povo paga a conta.

A pressão da categoria foi forte. Sete dias de greve causaram danos vorazes. Associações como a Viva Lácteos e a Abiec calculam milhões, bilhões de reais em prejuízos. Pesam na contagem o desabastecimento, a elevação de preços, as cirurgias canceladas, os negócios desfeitos, a produção alimentícia desperdiçada. Deveriam incluir também o medo, o estresse, a violência. Essa realmente doeu.

Infelizmente, os danos e perdas não se esgotam por aí. Por piores que sejam seus resultados, toda essa contagem é modesta e até mesmo ingênua. Ela ignora os prejuízos fiscais e políticos que ainda estão por vir, todos causados pela vitória do movimento. Uma vitória amarga que a sociedade defendeu e pela qual terá de pagar – mesmo que pareça, ou prefira, ignorar esse fato.

A greve sem dúvida obteve apoio do povo. As redes sociais, por exemplo, foram entupidas com mensagens e opiniões favoráveis. O movimento foi bem sucedido em fazer imaginar que defendia os interesses de toda sociedade. Parte disso surgiu da promessa de busca por redução no preço da gasolina; e da sugestão vaga de "luta por um país melhor".

Bem articulada, a estratégia conseguiu esconder seu aspecto mais rejeitável: o "estelionato social" para alcançar interesses em nada relacionados ao bem coletivo. O preço da gasolina foi uma pauta acessória, usada para obter simpatia. Mesmo que obtida, ela não compensaria os prejuízos sociais dos privilégios dados aos motoristas. E quanto àquela luta por um país melhor? Retórica, mera retórica.

As concessões aos caminhoneiros chegaram ao extremo de resgatar práticas abusivas. Elas incluem controle de preços. Foi estabelecido um valor mínimo para o frete. Há também subsídios. O preço do diesel sofreu reduções, como remoção da cobrança da Cide e descontos temporários. Para piorar, incluem uma reserva de mercado. A Conab será obrigada a contratar caminhoneiros autônomos para atender até 30% da demanda de frete.

Bestializado, o povo torce pelo movimento como quem torce pelo time preferido da Copa. Parece convicto de que "somos todos caminhoneiros". Provavelmente imagina testemunhar uma conquista digna de um impeachment. Capturada por trabalhadores e patrões, a sociedade sofre uma síndrome de Estocolmo: decide ter simpatia por quem a fez de refém.

Pode ser fácil entender de onde vem esse entusiasmo torto. Uma parte se deve à indignação geral com o aumento do preço dos combustíveis. Não é difícil simpatizar com alguém que luta contra esse aumento. Outra parte se deve ao revanchismo contra o governo atual. Esses foram logo convencidos pelo engodo de "luta pelo povo", traduzido como "fora Temer". Somado a isso, é possível incluir a revolta geral com a situação do país. Ela torna fácil simpatizar com qualquer pressão popular. (Não é preciso perder tempo com quem apoia porque quer também privilégios parecidos).

Todo esse equívoco não resiste a uma análise mais detida. Sem aquela pauta de redução da gasolina; sem aquele papo de "luta por país melhor", o que resta dessa greve? Apenas a chantagem, articulada contra as pessoas que o movimento insinua defender. De forma inescrupulosa, ignoram ou escondem que a conta do resgate será entregue ao povo. Todas as concessões serão pagas por meio de novos impostos ou de aumento na alíquota de cobranças existentes. Uma clássica "socialização das perdas".

As concessões aos caminhoneiros também golpeiam as esperanças eleitorais de 2018. O gabinete eleito será acuado pelo peso delas. Além disso, herdará também o peso de outras concessões. Funcionários públicos, por exemplo, receberam reajustes generosos. Enquanto isso, deixamos para lá reformas essenciais, como a fiscal, a tributária, a previdenciária, a política – quem sabe, a judiciária. É o progresso do regresso.

O episódio parece distante de sua conclusão. Os prejuízos ameaçam entrar em metástase. Diversas outras categorias perceberam que a presa é fácil. Logo irão cobrar seu butim sobre as contas públicas. As concessões sem dúvida serão generosas, como foram para os caminhoneiros. Afinal, quem pagará a conta será o povo, que assiste tudo às margens e que vibra como se o seu time estivesse vencendo.

Se pudermos perceber isso, será que continuaríamos sendo todos caminhoneiros?

A redação.


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