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Greve dos caminhoneiros: onde estão os patrões? - Opinião

Opinião Greve dos caminhoneiros: onde estão os patrões?

A greve dos caminhoneiros manda seu recado e impõe seus prejuízos. Supermercados são desabastecidos. Faltam remédios nas farmácias. Hospitais deixam de realizar operações. Postos de combustíveis secam. Produtores jogaram fora toneladas de alimentos que não puderam seguir para as gôndolas. 

E os patrões?, alguém perguntaria. E os sócios e proprietários de transportadoras que contratam caminhoneiros? Onde estão eles? Por que não foram incluídos nessa lista de prejudicados?

Sim, as empresas do setor também sofrem revezes. Na verdade, sofrem tantos, que deveriam estar incomodadas com isso. Era de se esperar que se esforçassem mais para acabar com a greve. Quem sabe, constrangendo os caminhoneiros, afirmando que a culpa da baderna que está aí é dessa "greve imatura e irresponsável". 

Essa falta de reação patronal faz a greve escapar do roteiro esperado. Compare a uma greve de ônibus. Nela, a categoria cruza os braços e a população sofre. Até aqui, o roteiro é semelhante. Em seguida, os grevistas lançam suas reivindicações, todas dirigidas ao patrão: aumento de salário, melhoras nas condições de trabalho. 

A partir daqui, a greve dos caminhoneiros se afasta do roteiro. Mesmo dispersos, os movimentos gritam uma reivindicação comum e essencial: reduzir o preço do combustível. Isso não soa como uma briga por mais ganhos. Aqui não transparece uma queda de braço entre empregado e empregador. A exigência não parece pressionar o patrão. O alvo dela parece ser o governo. 

Isso talvez indique por que a classe patronal não parece incentivada a se inquietar. Pelo contrário: ela tem motivos para ser conivente com a greve. Pressionar o governo pode ser uma forma de escapar do prejuízo e passar a conta ao "contribuinte". Os interesses dessa forma são comuns. Os mais desconfiados diriam que são comuns até demais: faz pensar se o interesse do trabalhador não seria o próprio interesse do patrão. 

É claro, não é o caso de fazer acusações. Cabe às autoridades investigar. Mas o que se observa no fim é essa coincidência de interesses. A maior consequência disso recai sobre os principais efeitos do movimento. Eles não se parecem em nada com uma greve. Mesmo executado por trabalhador, o resultado prático é o de um locaute, uma "greve de patrões".

Mais uma vez, pode ser difícil dizer que foi combinado. Que as autoridades investiguem. Talvez a chance disso seja remota. De acordo com o Instituto de Logística e Supply Chain, o setor é pulverizado demais. Apesar disso, há quem trabalhe com a hipótese de que seja real. É o caso do Ministério da Justiça. Seja como for, o resultado pesa mais como um locaute do que como uma greve. Na relação de interesses, sobressai o do patrão, que são compatíveis com o do trabalhador. Seriam esses interesses compatíveis também com o do cidadão?

Seja de quem for as exigências, o governo atual mais uma vez se obriga a ceder. Isso demonstra como seu poder político tem sido irrisório. Ele foi incapaz até mesmo de dissolver o Ministério da Cultura, defendido por uma categoria artística de pouca relevância política. É claro que iria recuar diante de categorias com relevância altíssima, como as do setor de transporte de carga.

Das concessões, a mais cara certamente é a promessa de reduzir o preço do combustível. É claro que ela não vai sair de graça. Quem vai pagar por isso? A sociedade. A pessoa que trabalha, paga impostos e está ocupado demais para se organizar politicamente contra esse abuso. Daí a conivência do patrão com a greve. A vitória do trabalhador interessa a ele, porque desagua nessa "socialização das perdas". Quem paga a conta é o cidadão.

Curiosamente, muitos desses cidadãos defendem o movimento e o provável resultado. "Somos todos caminhoneiros", afirma as hashtags das redes sociais. Eles parecem convictos de que a greve realmente os representa. O que pode ser bom para um trabalhador seria infalivelmente bom para o povo. Como visto, o jogo é mais complexo do que isso. Existem caminhos e descaminhos demais. Todos devem ser esclarecidos.

Para esses cidadãos, será melhor avaliar as nuances dessa greve. Que objetivos ela deseja alcançar? Esses objetivos nos representam? E se forem alcançados? Quem vai pagar o preço deles? Antes de postar a próxima hashtag, é melhor que ponderem tudo isso. E entendam como estão posicionados os trabalhadores, os cidadãos e os patrões. 

A redação.

[Atualizado em 28 de maio de 2018.]
 


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