Ativista social com ampla experiência, Valdinei comenta o
desastre ambiental, os empregos no município, o futebol aracruzense e a atuação
da ONG Amigos da Barra
Como uma das lideranças da orla de Aracruz, o que você tem a
dizer sobre os impactos do acidente de Mariana? E o que está sendo feito pela
Samarco em favor do município?
O que as pessoas chamam de impacto, eu costumo chamar de
crime ambiental. Foi algo previsível, o rejeito estava acima da capacidade da
barragem. Por isso, eu classifico como
crime ambiental. Já se passaram mais de dois anos e a empresa ainda não olha
com carinho e responsabilidade o impacto que ela causou desde o início, em
Mariana, até a foz do rio Doce e das bacias hidrográficas das regiões
impactadas. No nosso caso em especial, as bacias do rio Doce e do rio Riacho,
onde é captada a água não só para o consumo humano, como também para os
animais, irrigação da agricultura familiar entre outros. Sofremos impacto não
apenas no consumo da água que chega à nossa torneira, como também no direito de
trabalhar com pesca, como fazem os ribeirinhos, os marisqueiros, os pescadores
de barranco e até mesmo os da pesca profissional marítima, que têm uma
limitação de 20 metros de profundidade para fazer a pesca.
A Samarco tem sido muito morosa em fazer o cadastro e
identificar os impactados. Quem ainda não foi indenizado está sofrendo há mais
de 24 meses, tendo que se virar para custear sua alimentação suas vestes, seus
medicamentos. A vida foi afetada de tal forma, que agora está parada. Enquanto
isso, a atividade econômica não espera. A conta de energia, de água e de
alimentação tem que ser paga. Isso faz
com que as pessoas fiquem na margem da vulnerabilidade social, a ponto de
pessoas irem parar na sarjeta.
Acho que a Samarco está tendo muito descaso, está sendo
muito morosa. Ela terceirizou todo o atendimento. É claro que ela tem um prazo
firmado com um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) com os Ministérios
Públicos Estadual e Federal, com institutos como o Chico Mendes. Mas esse
debate não pode só ficar nas entrelinhas da burocracia. Ele tem que ser
entendido na pele. Temos que entender que a demora do pagamento do benefício está causando muito sofrimento à
comunidade da orla de Aracruz.
Na sua opinião, o que poderia ser feito para melhorar o
atendimento da população que sofreu impacto em Aracruz?
A empresa deveria ter um espaço físico instalado de
preferência na Barra ou na Vila do Riacho. Deveria ter uma base permanente para
atender todos os impactados e acelerar o máximo possível o atendimento, para
que todas as pessoas possam ser indenizadas em tempo hábil. O local poderia
servir para esclarecer dúvidas e realizar os acordos e as indenizações.
Fale sobre a importância da Jurong e das dificuldades
encontradas nas áreas de influência da empresa.
Todo empreendimento do porte da Jurong é importante para o
município, para o estado e para o Brasil. Seria uma falácia minha dizer que a
Jurong não é importante para a agenda brasileira. Nós estamos no eixo central
do Brasil, de frente para a Europa e para a Ásia. Um local ideal para fazermos
nossas exportações. O nosso município é importantíssimo para a balança
comercial do país.
É por isso que temos aqui os cinco modais logísticos,
todos importantíssimos. Um deles é o
naval, e a Jurong está neste contexto. O que precisamos fazer é otimizá-la com
o que a gente tem de melhor: mão de obra da metalmecânica. E essa mão de obra
se encontra aqui. Ela atende a Imetame, a Fibria, a TABR, o Portocel e a
diversos outros empreendimentos. Temos que quebrar esse paradigma de que não
temos mão de obra qualificada.
Temos baixa contratação de pessoas do município, em especial
das áreas mais impactadas. A empresa afirma que a maioria das terceirizadas
contratadas usam trabalhadores locais, mas isso na prática não ocorre. A gente
vê os ônibus indo e vindo para Vitória, João Neiva, Anchieta, para o norte. São
mais de trinta veículos transportando trabalhadores de dia e de tarde. Poucos
são os ônibus para atender a demanda
local. Não estou tentando defender a mão de obra local ruim, aquele
profissional complicador. Estou defendendo aquele profissional que gosta de trabalhar, e isso nós temos.
A empresa precisa saber identificar esse
trabalhador.
O senhor é ex-atleta de futebol profissional capixaba.
O que acha da volta do Esporte Clube
Aracruz ao futebol?
Vejo esse retorno com muito otimismo, alegria e felicidade.
Quando mais novo, arrisquei meus chutes nos gramados profissionais do Espírito
Santo. Não foi à frente, não me pergunte o porquê! (risos). Esse retorno é
importante para o município de Aracruz. Não conheço a fundo a atual diretoria
do clube, mas quero conhecer melhor. Com essa retomada às competições, o
Aracruz poderá um dia levar não só o nome do município para fora, como também
agregar valores.
O aracruzense é um amante do futebol. É uma das maiores
torcidas capixabas. Tanto assim, que o título de maior média de público do
estado foi do Aracruz. Não foi nem do
Rio Branco, nem da Desportiva: foi nosso. Por isso, a volta do Clube me deixa
empolgado.
O que precisamos agora é que a gestão seja profissional, que
trabalhe com aquilo que temos. Percebo que esse profissionalismo já está se
manifestando antes mesmo das competições terem iniciado. Basta acompanhar o
trabalho de divulgação, do marketing. Basta notar o envolvimento da sociedade. A busca do
patrocinador fora do estado foi importante. Tudo isso indica que o clube vai se
levantar.
Como presidente da ONG Amigos da Barra do Riacho, comente um
pouco a importância das instituições civis organizadas.
É fundamental uma sociedade ter instituições fortes. Isso é
resultado de estudo científico. Existem pesquisas que comprovam que bairros com
instituições fortes e organizadas, com participação popular, recebe mais
atendimento e assistência por parte do poder público e privado.
Precisamos melhorar muito dentro da orla, em especial na
Barra do Riacho, para que a gente faça valer de fato a importância que a gente
tem. Mais isso passa pelos sócios e moradores. Não existe instituição forte se não
houver participação.
Muitas pessoas buscam salvadores da pátria em redes sociais.
Mas os problemas da vida não são de uma instituição, de uma pessoa ou de um
presidente. Eles são do coletivo, de um todo. E, mesmo assim, a gente vê cada
um querendo ser um líder lá fora. Cada um querendo representar a si mesmo e a
sociedade. Isso é estar na contramão. Estas pessoas têm que vir para dentro das
instituições. Temos que nos organizar neste sentido, fazer com que as pessoas
venham para a instituição e não fiquem
só em redes sociais. As redes são importantes, mas não oficializam nada, não
possuem poder institucional, não podem formalizar uma denúncia ou cobrar algo.
Fale um pouco sobre a evolução da ONG Amigos da Barra nesses
doze anos de existência.
Estamos militando há vinte anos com movimentos sociais.
Começamos a ser conhecidos pelo município por meio da luta a favor das
minorias. Somos conhecidos pelo nosso histórico de movimentos e de
manifestações. Ao longo do tempo, a gente foi se reinventando e se adequando às
necessidades das entidades civil organizadas. Focamos em se qualificar tecnicamente. A gente não briga
por melhorias apenas verbalmente ou com ofícios. Vamos além. Procuramos nos
qualificar.
Ingressamos em cursos para podermos nos aperfeiçoar, sair do senso
comum e adquirir novos conhecimentos literários e acadêmicos. Buscamos fazer
mais e melhor. Queremos ajudar a
sociedade não só com a força de vontade, mas com conhecimento técnico. Isso nos
permite adentrar o poder público e o privado, conseguindo atenção para a
sociedade. Dessa forma, passamos a ser um ator fundamental de intermediação
entre o setor público-privado e a sociedade. Passamos a ser interlocutor
direto, não apenas por viver na comunidade mais carente, mas por ser
protagonistas e ajudar a sociedade de uma forma mais técnica. Por isso,
gostaria de aproveitar a oportunidade e colocar à disposição a ONG Amigos da
Barra do Riacho. Estamos abertos para receber a demanda da comunidade.
Atendemos segunda, quarta e sexta na sede da ONG, que fica à rua Reinaldo Lino,
número 10, das 8h às 12h.
Deixe uma mensagem para o povo de Aracruz.
Nunca desanime de nada, não seja pessimista. Seja otimista
sempre. Estamos no ano de eleição. Vemos muita gente descrente com a política.
Mas não existe outro caminho de governar
que não seja por meio dela. Queira ou não, isso é feito pela política. Em 2014,
tivemos 24 mil eleitores que votaram branco e nulo. Isso é ruim para a democracia. É claro, votar nulo e
branco é um direito democrático. Mas acho que, se a gente canalizar o voto para
os nossos candidatos, a gente pode ter não apenas um representante, como também
ter dois. Isso aumenta a
responsabilidade dos políticos e aumenta também nosso poder de cobrança sobre
eles, pois não adianta eleger e não fiscalizar.
Por tudo isso, a mensagem que deixo é a de que elejam o máximo possível de aracruzenses
para o legislativo, para que possamos cobrar o máximo possível de nossos
legisladores. Não vamos deixar de votar. Vamos escolher e cobrar. Quando você
não escolhe, você deixa os outros escolherem por você.