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Que fim levou o caso Araceli, um dos mais emblemáticos do Brasil? - Impunidade

Impunidade Que fim levou o caso Araceli, um dos mais emblemáticos do Brasil?

A data da morte de Araceli – 18 de maio – foi instituída como Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes

A morte da menina Araceli Cabrera Crespo, assassinada de forma brutal, completa 44 anos nesta quinta-feira, dia 18 de maio. Apesar de, no ano passado, termos publicado uma reportagem contando todos os detalhes do caso e no que deram os processos na Justiça contra os acusados, muitos internautas ainda não sabem que fim levou essa história, e pediram para que contássemos novamente o que aconteceu.

Araceli Cabrera Crespo tinha 8 anos quando foi raptada, drogada, estuprada, morta e carbonizada, no Espírito Santo, em 1973. Mais de quatro décadas depois, ninguém foi punido pelo crime. Após a prisão, julgamento e absolvição dos acusados, o processo foi arquivado pela Justiça.

O DESAPARECIMENTO

No dia 18 de maio de 1973, uma sexta-feira, Araceli saiu de casa, no bairro de Fátima, na Serra, e foi para a Escola São Pedro, na Praia do Suá, em Vitória. No dia, a menina saiu da escola mais cedo, a pedido da mãe, Lola Cabrera Crespo.

Segundo a mulher, Araceli precisava sair antes de a aula terminar, porque poderia perder o ônibus que a levaria de volta para casa. Após sair da escola, ela foi vista por um adolescente em um bar entre o cruzamento das avenidas Ferreira Coelho e César Hilal, em Vitória.

Ainda de acordo com esse adolescente, a menina não entrou no coletivo e ficou brincando com um gato no estabelecimento. Depois disso, Araceli não foi mais vista. À noite, o pai, Gabriel Sanchez Crespo, iniciou as buscas.

CORPO É ENCONTRADO

Dias após o desaparecimento, em 24 de maio, o corpo de uma criança foi encontrado desfigurado e em avançado estado de decomposição em uma mata atrás do Hospital Infantil, em Vitória.

Inicialmente, o pai de Araceli reconheceu o corpo como sendo da menina. No dia seguinte, ele negou, afirmando que o corpo não era o da filha desaparecida. Meses depois, após exames, foi constatado que o corpo era mesmo de Araceli.

TESTEMUNHAS E CONTRADIÇÕES

Durante as investigações, provas e depoimentos misturaram fatos com boatos. Mesmo 44 anos após o desaparecimento de Araceli, o assunto ainda é um mistério. Além de grande parte das testemunhas terem morrido, as que ainda estão vivas se recusam a falar do assunto.

Diante dos fatos apresentados pela denúncia do promotor Wolmar Bermudes, a Justiça chegou a três principais suspeitos: Dante de Barros Michelini (o Dantinho), Dante de Brito Michelini (pai de Dantinho) e Paulo Constanteen Helal – todos membros de tradicionais e influentes famílias do Espírito Santo.

A versão da morte da menina apresentada pela acusação, que mais tarde terminou no julgamento dos acusados, afirma que Araceli foi raptada por Paulo Helal, no bar que ficava entre os cruzamentos da Rua Ferreira Coelho e César Hilal, após sair do colégio.

No mesmo dia, a menina teria sido levada para o então Bar Franciscano, na Praia de Camburi, que pertencia a Dante Michelini, onde foi estuprada e mantida em cárcere privado sob efeito de drogas.

Por causa do excesso de drogas, Araceli entrou em coma e foi levada para o hospital, onde já chegou morta. Segundo essa versão, Paulo Helal e Dantinho jogaram o corpo da menina em uma mata, atrás do Hospital Infantil, em Vitória.

Em entrevista ao Globo Repórter de 1977, o promotor Wolmar Bermudes explicou a quem se destinavam as acusações.

"O Dante Michelini pai pesa a acusação de haver mantido a menor em cárcere privado, dois dias, no sótão do seu bar, em Camburi. Contra os dois, o Dante Filho e o Helal, pesam as acusações de haverem os dois ministrado a infeliz menor tóxicos e haverem ainda de maneira violenta mantido congresso carnal com a menina", disse na entrevista.

Ainda segundo a denúncia, Dante Michelini usou suas ligações e influência com a polícia capixaba para dificultar o trabalho da polícia. Além disso, testemunhas-chave do processo morreram durante as investigações. Nenhuma dessas acusações foi provada.

Durante o julgamento, Paulo Helal e Dantinho negaram conhecer Araceli ou qualquer outro membro da família Cabrera Crespo.

JULGAMENTO

Em 1980, o juiz responsável pelo caso, Hilton Silly, definiu a sentença: Paulo Helal e Dantinho deveriam cumprir 18 anos de reclusão e o pagamento de uma multa de 18 mil cruzeiros. Dante Michelini foi condenado a 5 anos de reclusão. Na ocasião, o juiz Hilton Silly disse em entrevista ao Jornal da Globo que os três foram condenados porque foi provada a materialidade e a autoria do crime.

"Foi através não só da farta prova testemunhal, mas também, sobretudo, da prova indiciária, que é chamada prova artificial indireta por circunstancial, baseado em indícios veementes, graves, sérios e em perfeita sintonia de causa e efeito com o fato principal", afirmou.

Os acusados recorreram da decisão e o caso voltou a ser investigado. O Tribunal de Justiça do Espírito Santo anulou a sentença, e o processo passou para o juiz Paulo Copolilo, que gastou cinco anos para estudar o processo. Por fim, ele escreveu uma sentença de mais de 700 páginas que absolvia os acusados por falta de provas.

AVENIDA DANTE MICHELINI

Uma das principais avenidas da capital do Estado recebe o nome do pai de Dante e avô de Dantinho, Dante Michelini (1897-1965), em homenagem aos seus trabalhos no desenvolvimento econômico de Vitória.

O fato de a avenida ter o nome relacionado à família de um dos acusados do crime já foi motivo de protesto na capital do Espírito Santo. Em 2013, quando o desaparecimento de Araceli completou 40 anos, um grupo se movimentou para mudar o nome da via para Araceli. Ao longo da avenida, os manifestantes colaram adesivos com o nome da menina em cima das placas de identificação da via.

IRMÃO DE ARACELI AINDA É VIVO E FALA SOBRE O CASO

A lembrança da menina permanece no dia a dia do irmão, Carlos Cabrera Crespo. "A gente convivia muito e eu sinto muita saudade dela. Apesar de todo esse tempo, não passa um dia que eu não penso nela. Todos os dias da minha vida eu me lembro dela", disse.

Em entrevista ao G1 por um aplicativo na internet, Carlos, que mora no Canadá, também lembrou o dia do desaparecimento da menina e deu detalhes de como era a vida de Araceli antes de ser interrompida brutalmente. No início da conversa, Carlos contou que Araceli nasceu em São Paulo em 1964. A família se mudou de Cubatão, onde morava, porque ainda bebê Araceli sofria com a poluição.

"A minha irmã quando nasceu tinha um problema muito grave de bronquite. Um médico aconselhou meu pai a mudar para um lugar de clima melhor, sem poluição. Aí na época meu pai arrumou emprego no Porto de Tubarão. Eu tinha cinco anos e minha irmã nem andava ainda", contou.

Ao chegar ao Espírito Santo, a família foi morar no bairro Jaburuna, em Vila Velha. Por ter muito cuidado com Araceli, os pais sempre se preocupavam em colocá-la na mesma escola que o irmão. "A gente estudava na mesma escola, que era o colégio Marista. Mas meu pai tinha uma casa no bairro de Fátima e depois de um tempo resolveu mudar pra lá porque ficava mais perto do trabalho dele, no Porto", completou.

A mudança para o bairro de Fátima, na Serra, aconteceu meses antes do desaparecimento de Araceli, no final do ano de 1972. "Eu fui estudar no colégio Salesiano em Vitória só que a minha irmã não podia estudar lá junto comigo porque na época não aceitavam meninas. Por isso ela foi para a escola São Pedro, que tinha uma vizinha que estudava lá".

Carlos lembrou que Araceli era uma menina doce e inocente. "Ela era cercada de muito cuidado em casa. Eu, por ser o mais velho, tinha muito carinho com ela. Eu não tinha outro irmão, a irmã era ela. Apesar de sermos menina e menino convivíamos muito bem. Meu pai era muito dengoso com ela, por ela ser menina, por ela ser a caçula, ele tinha muito cuidado com ela", contou.

Sobre o que aconteceu depois da morte de Araceli, Carlos disse que a família foi prejudicada com as notícias que eram veiculadas na época. "Eu nunca mais vi minha irmã, meus pais se separaram, minha mãe voltou para a Bolívia, que era a terra dela, o meu pai continuou morando no Bairro de Fátima, mas ele trabalhou quase no Brasil todo. E eu continuei no bairro de Fátima, depois fui para Bolívia com a minha mãe, depois voltei. Eu era criança também, tinha 13, 14 anos, sentia muita falta do Brasil".

Carlos negou qualquer relação da família com os acusados do crime. "Acusaram essas pessoas o Paulo Helal e o Dante Michelini falando que a minha família, que a minha mãe conhecia sendo que a gente nunca tinha ouvido falar no nome dessas pessoas. A gente conhecia a loja dos Helal que ficava na Praça Oito e a Avenida Dante Michelini. A gente nem sabia quem era essa pessoa. Meu pai era um operário, minha mãe era uma dona de casa", afirmou.

SILÊNCIO

Segundo Carlos, a família não gosta de falar sobre o assunto. "Eu e minha mãe nunca mais conversamos sobre a minha irmã. Eu tenho dois filhos, eu nunca conversei isso com meus filhos, nunca falei nada. Eu não gosto muito de conversar sobre isso. Tenho a minha esposa, ela sabe disso. Inclusive a minha esposa conheceu a minha irmã, pouco tempo, mas conheceu. Minha esposa morava perto".

Falar sobre Araceli trazia sofrimento para Lola. "Esse assunto com a minha mãe eu nunca conversei, porque eu sei que é muito dolorido para ela. Então eu nunca toquei nesse assunto e para mim também, você ficar assim, a gente tem aquela lembrança da minha irmã, como a gente tem até hoje. Até entendo a curiosidade das pessoas, eu não acho ruim, só não gosto muito de ficar falando", disse.

IMPUNIDADE

Embora o caso tenha sido julgado, a sensação de impunidade ficou. "Eu acredito que a pessoa que fez isso deva ter sofrido muito na vida. Eu não acho que uma pessoa ao fazer isso possa deitar a cabeça no travesseiro e dormir tranquilo. Se foram essas pessoas ou qualquer que tenha sido eu fico pensando: eles devem ter casado ter filho. Como eles olham os filhos, como eles podem olhar no rosto?", questionou.

Agora, o irmão de Araceli espera a justiça divina. "Eu acredito muito em Deus, eu acho que a Justiça dos homens falha, tem muitos erros, e vai falhar sempre, mas a Justiça de Deus, essa aí não tem jeito. É uma certeza que eu tenho, só pelo fato de que se foram eles, porque eu não posso afirmar categoricamente, eu não sei. Se foram eles, já sofreram bastante e vão sofrer mais, porque quando chegar lá em cima as contas vão ser postas em pratos limpos e aí é que vamos ver".

Por fim, Carlos espera guardar apenas as lembranças boas da irmã. "A gente ficar guardando essa amargura dentro do coração não faz bem, te derrota. O que eu guardo são as lembranças boas da minha irmã. Isso é o que eu guardo. O tempo que a gente conviveu infelizmente foi pouco, mas foram momentos muito legais, muito bacanas. E é isso que eu guardo dela, eu não fico pensando nisso porque se eu ficar pensando nisso o tempo todo, isso só vai me envenenar a alma. Eu procuro deixar isso na mão de Deus, porque se os homens não deram jeito, Deus vai dar conta disso. É isso que eu penso", finalizou.


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